sexta-feira, 25 de abril de 2014

Morar no campo

LaPedrera, 25 de abril de 2014. Hoje faz pouco mais de três anos que vivemos na chácara. Uma pequena área na estrada do Baú, localidade conhecida como Rincão dos Minelos, entre Santa Maria e Itaara. Essa chácara fica na beira de um arroio denominado Arroio Pinhal, que tem leito rochoso, aliás, toda a área tem muitas pedras, daí o nome. O riacho apresenta água cristalina, transparente mesmo, na maior parte do tempo, com exceção dos dias chuvosos, quando recebe muita água dos morros que circundam a região, o que deixa a água turva por um dia ou dois. Esse nome, “LaPedrera”, foi escolhido por mim, um pouco pela característica do solo, onde raramente se consegue cravar uma pá ou uma estaca sem encontrar uma pedra e, em segundo lugar, por causa de um prédio com esse nome, que conheci em Barcelona, obra do arquiteto catalão Antoni Gaudi, cuja obra mais famosa, creio eu, seja a Igreja da Sagrada Família, ainda em construção, apesar de ter sido iniciada no final dos anos 1800. Decidi então fazer essa homenagem às artes, que me encantam, e à natureza, que me atraiu pra cá. Sempre fui bastante racional e foi com base nesse racionalismo que decidi vir morar aqui. Fiz algumas contas e percebi que não sairia mais caro morar no que é meu, porém longe do centro da cidade. Pagar o aluguel de um apartamento sai mais caro do que o gasto a mais de combustível. O preço que não muda é quase nunca ter um carro limpo, devido aos 7 km de estrada de terra que, sem chuvas, trazem poeira e, com chuvas, trazem o barro. Nada que uma lavada de mangueira rápida não resolva. Água, aliás, proveniente de uma nascente aqui pertinho, de graça, sem custo e sem culpa, se usada demais. Morar numa casa alugada seria mais caro que o apartamento e provavelmente longe do centro e cercado de grades, cerca elétrica, etc. Muita gente diz que “...quando se aposentar vai comprar uma chácara...”, mas eu sempre fui um cara meio precoce. Juntei uma grana, peguei um tanto emprestado e comprei a chacrinha. Quando pequeno, tive bastante contato com o meio rural em Lavras. Meu pai tinha uma pequena propriedade no interior (sim, Lavras TEM interior, apesar de ser uma cidade pequena), mas a vendeu. Minha mãe adorava esse contato com a natureza, fora criada no campo, tal como meu pai. E eu, durante muito tempo, lia os anúncios de jornal sobre áreas rurais até o dia que fui atrás de um, visitei a área do que hoje é LaPedrera e me apaixonei. Amor à primeira vista, mesmo. Chamo aqui de LaPedrera porque sempre sonhei em ter um lugar assim, que receberia um nome, nunca concebi a pessoa morar num lugar no campo que não tivesse um nome. Pra mim, é como se eu me referisse a uma pessoa, que já faz parte da história da família e veio pra ficar. Em LaPedrera, fui e tenho sido muito feliz com minha esposa e minha filha. Morando aqui, trabalhamos e estudamos na cidade, tudo isso sem prejuízos. Às vezes, chamamos os amigos para fazermos churrascos, em especial no verão, quando dá pra nadar no arroio. Denominei esses eventos de “Traskifest”, funcionando assim: “traz – ki – eu – asso”, ou seja, cada um traz sua festa e a gente celebra junto. Facilita um monte pra quem organiza, recomendo. Os amigos vêm, trazem a gurizada criada na cidade e a diversão é garantida! Em LaPedrera, além da mata nativa, temos também bergamoteiras, laranjeiras, limoeiros, caquizeiros, nogueiras pecã, abacateiros, araucárias, cedros, pinheiros, uma mangueira, um pé de araçá e, é claro, flores. Essas dão algum trabalho porque não temos muita área ensolarada por causa das árvores, que são muito altas e que produzem muita sombra, ótimo no verão. Temos testado diferentes tipos de flores e algumas, aparentemente, têm dado certo. Temos até uma horta, pra alguns temperos colhidos na hora do almoço do fim de semana. Com espaço amplo, temos apenas um cachorro e dois gatos. O cachorro é criado solto, só prendo na corrente quando saio pra pedalar porque se não faço isso, ele me acompanha. Com trajetos acima de 50 km, minhas trilhas de bike não são exatamente um “passeio” pra ele. Thor, esse cão que é responsável pelo SPP, “Serviço de Proteção Patrimonial”, falha miseravelmente com sua função: passa mais filando uma comida caseira nos vizinhos do que de plantão aqui! Eu, se fosse cachorro, faria o mesmo, pois aqui em casa geralmente damos ração, o que não é páreo para uma comidinha feita com gordura e sal e que, se der sorte, vem até quentinha, desde que o garoto saiba a hora de chegar sem ser convidado... Os gatos dão um capítulo à parte. Dia desses, na hora do almoço, fizemos as contas e chegamos ao número de, no mínimo, 16 gatos que já trouxemos pra cá. Os que trouxemos adultos fugiram no primeiro dia ou no primeiro minuto mesmo. Boas risadas. Os felinos responsáveis pelo CPR, “Controle de Pragas Rurais” que trouxemos ainda filhotes, ou foram roubados, adotados por vizinhos, se perderam ou entraram pra cadeia alimentar de alguma maneira que desconhecemos. Temos alguns casos pitorescos a respeito dos gatos... Teve um que apareceu dentro de uma sala de aula do Colégio Militar, onde trabalho. Estava espirrando muito (nunca tinha visto gato espirrar) e foi medicado, mas acabou indo passear nos arredores da chácara e não voltou mais. Uma gata siamesa, muito linda de olhos azuis, levamos conosco pra passar férias em Lavras. Chegando lá, deixamos dentro de um galpão, com água e comida. Depois de um dia ou dois, conseguiu fugir e adeus, tia Chica. Um dia qualquer eu estacionei no trabalho (25 km distante de casa) e escutei um miado. Procurei um pouco na volta da camionete e encontrei o filhote embaixo do capô, alojado numa fresta perto do farol, simplesmente inatingível... Fiquei preocupado, como que o bicho tinha se metido ali? E como havia conseguido ficar quietinho sem cair? Sem conseguir tirá-lo dali, fui trabalhar e, depois de tentar outras vezes durante o dia, sem sucesso, voltamos pra casa no fim do dia, com o danado ali dentro ainda! Durante a noite ele se sentiu calmo pra sair. No outro dia de manhã, tivemos que inspecionar o carro antes de sair, costume que temos até hoje: sempre temos que saber onde estão os gatos antes de ligar a camionete... A experiência, para o filhote, foi demais, pouco tempo depois ele nos abandonou também. A cada tanto, os gatos que sim permaneceram apresentam resultados positivos, caçando algum camundongo, cobra ou passarinho, cadeia alimentar em andamento, enfim, tudo em seu lugar. O clima aqui é ótimo! Adoro o frio. Aqui sempre está alguns graus mais frio do que na cidade. Em vista dos verões escaldantes de “Sauna Maria”, quero dizer, Santa Maria, é perfeito! Uma salamandra de ferro fundido e um fogão campeiro, alimentados com lenha daqui mesmo, resolvem romanticamente a questão da calefação. Quanto ao calor, não temos ar condicionado, por pura falta de necessidade mesmo. Só ventiladores e olhe lá! Dormimos com janelas abertas e o ar fresco noturno geralmente abrevia o tempo do ventilador ligado. Já tivemos enchentes que estragaram as estradas, o que tornou a ida para a cidade “com emoção”... Nada demais, alguns minutos a mais de trajeto, somente. Um probleminha é a umidade e o mofo. Sempre temos que arejar bem a casa, senão o bicho pega. Temos recursos tecnológicos que facilitam a vida, como por exemplo, o telefone! Sim, pega celular, mas só num lugar, perto da janela da sala, saiu dali, fica improvável... Sem internet (porque optei por não ter web rural), não temos a ansiedade de consultar a cada minuto as atualizações das redes sociais e sobra tempo pra conversar, ler um livro, cuidar do jardim, etc. Pega sinal de TV, mas só com parabólica... Enfim, morar no campo traz uma paz interior, uma tranquilidade que não se encontra na cidade. Faz com que tu leve a vida com menos pressa, menos congestionamentos, menos estresse e mais qualidade. Te dá mais tempo de apreciar a natureza que te rodeia, os pássaros (tucanos, periquitos, gralhas, caturritas, etc.) que vem comer as frutas, os amigos que visitam pra um mate, o ritmo dos dias que passam e que se organizam de um jeito que não é controlado pelo relógio... Morar no campo te aproxima mais de quem criou tudo isso e te dá mais saúde para aproveitar.