domingo, 2 de janeiro de 2011

Gravidade

Gravidade
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
A gravitação mantém os planetas em órbita ao redor do Sol. A gravidade é uma das quatro forças fundamentais da natureza (junto com a força forte, eletromagnetismo e força fraca) em que objetos com massa exercem atração uns sobre os outros.
Do ponto de vista prático, a atração gravitacional da Terra confere peso aos objetos e faz com que caiam ao chão quando são soltos no ar (como a atração é mútua, a Terra também se move em direção aos objetos, mas apenas por uma ínfima fração).




O Carlão era sempre pontual. Pelo menos nesse assunto ele sempre fazia questão de chegar antes de todos. Era sempre o primeiro a chegar. Ou o segundo. Lembrava da primeira série do colégio, quando competiam, ele e seus colegas, para ver quem chegava mais cedo pra colocar a mochila no chão, guardando o seu lugar na fila. Mas aquele dia ele não tinha chegado ainda. O pessoal já tava no aquecimento, o Teco tinha trazido a bola cedinho (muitas vezes ele era um dos que demorava a chegar, obrigando o pessoal que esperava a abrir umas cevas antecipadas, o que tornava o jogo bem mais divertido), e o Pedruca já tava iniciando o fogo – jogava nada o Pedruca, então ficava a cargo do departamento etílico-alimentício. E nada do Carlão. Alguém se lembrou de ligar pra ele, porém o Teco desencorajou a ligação, porque o Carlão certamente ia ficar bravo, se sentindo cobrado por ter se atrasado e a última coisa que o pessoal queria era presenciar uma cena de fúria do Carlão de novo. Assim que começaram a partida e acabaram esquecendo o assunto até a hora da roda de samba.

O Capitão Dias recém havia entrado na Brigada, sonho de infância seu e de seu pai, que também havia feito carreira na corporação, apesar de seu pouco estudo. Outros tempos aqueles. O Cap. Dias não, tinha estudado Direito – “tirou adevocacia” – como dizia seu velho pai, e havia ingressado numa das mais valorosas instituições do Rio Grande do Sul. Aquele dia tinha tudo para ser mais um dia normal, de rotineira patrulha pelo centro de Santa Maria, na viatura nova da BM. Havia estacionado perto da praça e, após alguns contatos via rádio, decidiu que era hora de fazer um recorrido a pé pelo centro efervescente da cidade universitária. Nem bem cruzou o viaduto que liga a praça ao calçadão e notou um alvoroço, com muita gente gritando e chamando por ajuda, por perto do Santa Maria Shopping. Correu até lá, e, abrindo caminho entre a multidão que se apinhava pra ver o acontecido, chegou até o local do impacto. A cena a seguir não havia constado de nenhuma aula na academia de polícia da capital. Um corpo contorcido no chão, com membros dispostos de uma maneira simplesmente não humana. Joelhos dobrados pra onde não deviam, cabeça olhando pra trás. Braços e punhos discordantes, tudo emoldurado por um lago carmim, que se estendia aos poucos. Cerrou os dentes para conter a sensação de ânsia de vômito que se seguiu. A vítima aparentava uns quarenta e seis anos, trajava roupa social e tinha os olhos esbugalhados, fitando o vazio. Simplesmente impactante. E Dias ali, de pé, sem reação, com a mão esquerda sobre o rádio, absorto por uma fração de segundos, sem nem escutar a multidão à sua volta...

No terceiro andar de um shopping no centro de Santa Maria, um casal de jovens namorados comemorava o seu segundo ano de relação. A coisa andava meio cambaleante havia uns meses, por isso Marcos tinha decidido convidar Alice para um happy hour no centro e quem sabe, lhe fazer uma surpresa. Haviam pedido uns salgadinhos e estavam tomando uma coca. Simples, como sempre costumavam fazer as coisas. O papo rolava fluido até que Marcos resolveu tocar no assunto do compromisso entre eles. Alice ficou um pouco mais séria quando a conversa tomou esse rumo, mas esperou pra ver o que Marcos tinha pra dizer. Então ele começou a dizer que já fazia dois anos que se conheciam e se relacionavam e se davam bem e tal, como que preparando o caminho pra dizer aquilo que ele realmente queria: pedi-la em noivado. Ao ver que a moça se punha impaciente, Marcos se aprontou pra falar, respirou fundo e ... BAM!!! Uma pancada forte e seca atingiu a janela ao lado da mesa onde estavam, que tinha vista pro calçadão, deixando os dois atônitos. Após o que pareceu uma eternidade, mas que na verdade durou um milésimo de segundo, os dois fixaram o olhar na janela do restaurante, que se encontrava aberta e agora estava tingida de uma cor muito particular, que qualquer ser humano reconhece instantaneamente: vermelho vivo. Alice deu grito gutural, que chamou mais atenção do que a pancada, visto que nem todos no restaurante haviam se dado conta do choque. Marcos a amparou, imaginando o que ou quem teria despencado e golpeado a janela daquela maneira.

Após se despedir do seu oitavo paciente daquela tarde, um paciente quinzenal, a Dra. Regina Hoffheim começava a conversar com a Sra. Odete, a fim de averiguar se ela já estava em condições de ter a sua medicação para ansiedade reduzida quanto à dosagem diária. A Sra. Odete, viúva há três anos, vinha encontrando dificuldades de continuar a sua vida, que havia se tornado muito solitária após a morte trágica de seu marido, esmagado por um jipe, numa fatalidade extrema. Sem filhos, ela lutava para encontrar uma razão para viver, num mundo já sem graça e sem sentido para ela. A psiquiatra, com formação psicanalítica, escutava mais do que falava, como convém em um caso desses, e assentia com a cabeça, numa demonstração de empatia pelo sofrimento da paciente. A Dra. Hoffheim já estava chegando a uma conclusão sobre que direcionamento dar ao caso da Sra. Odete quando, pelo interfone, sua secretária lhe chamou, dando conta de que havia um policial querendo lhe falar e que por isso a interrompeu em sua consulta.

Há muito tempo que Carlos desconfiava da mulher. Havia começado a olhar diferentemente para ela. Essa desconfiança aliada ao estresse do trabalho e uma úlcera haviam mudado o camarada divertido que sempre foi com os amigos do futebol e com a família. Cartas anônimas, telefonemas com uma voz rouca e bilhetes com letras recortadas de jornal haviam finalmente lhe dado o gatilho necessário para chamar o detetive particular que tinha encontrado no Diário. Muito embaraçado, pelo telefone ele explicou o caso para Antônio, que já havia lidado com casos semelhantes há muitos anos, o que trouxe certo alivio para a vergonha que sentia Carlos. Combinou hora e local e despediu-se. No calçadão, num sábado qualquer negociou com Antônio o que queria: provas de que estava sendo traído, fotos, vídeos ou material da internet, o que fosse, para poder comprovar aquilo que se negava inconscientemente a aceitar. Quinze dias haviam se passado e estava em seu escritório quando recebeu um telefonema de Antônio. Dentro de meia hora, um envelope pardo lacrado ia chegar para ele. Alertava para a transferência online do restante do valor do contrato imediatamente, para a posterior liberação do material. Carlos efetuou a transação bancária e aguardou pacientemente, não antes de avisar a sua secretária que esperava um envelope muito importante para aquela tarde ainda. Dentro de aproximadamente quarenta minutos, a bomba chegara, causando devastação total. Já sabia o que fazer. Estava decidido e não teria como voltar atrás. Eram quase três da tarde e ele tinha ainda um compromisso fora do trabalho antes de ir para casa: uma consulta médica, que acontecia a cada quinze dias por insistência dele, uma vez que a recomendação seria de freqüência semanal, sempre às dezoito horas. Saiu mais cedo que o habitual dessa vez, pois ia passar em casa para tomar um banho e trocar de roupa, suada pelo calor implacável de uma Santa Maria em meados de janeiro...
Não saiu antes de escrever uma carta e imprimi-la em letras maiúsculas vermelhas.


Marina era casada com um empresário bem sucedido do ramo da construção civil. O casamento tinha dado certo até alguns anos atrás, quando seu esposo começou a se comportar de maneira estranha. Desconfiada, começou a acreditar em coisas que não tinham realmente acontecido e em pessoas que se diziam amigas, mas que na realidade somente nutriam por ela inveja e desdém. Foi então que conheceu um jovem e esforçado rapaz, que iniciava recentemente um curso universitário onde Marina era professora. No começo a relação professora-aluno correu normalmente, mas Marina sempre tinha uma impressão diferente do jovem aluno Felipe. Parecia mais velho quando falava que quando a olhava no fundo de seus olhos. O próximo passo foi quase como natural: O envolvimento foi intenso, parte alimentado pela vontade que Marina tinha de conseguir uma vingança contra a traição de que imaginava ser vítima, parte pela libido recuperada no auge de seus quarenta e cinco anos, delimitados por um corpo esculpido por muitos anos de academia, em várias modalidades. O caso, que tinha tudo para ser efêmero, perdurou por mais de cinco anos, até um dia em que, farta de sua vida dupla, decidiu dar um fim naquela situação. Estava certa da escolha que havia feito. Aquele encontro com o jovem bacharel seria o último. Pretendia contar tudo ao marido, pedir perdão e se preparava para talvez não ser perdoada. Chegou em casa do trabalho, fez um lanche e encaminhava-se para o quarto para um banho, roupas limpas e mais uma jornada noturna na mais prestigiada faculdade de direito da cidade. Foi quando encontrou sobre a cama um envelope pardo e uma carta...